segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Conquista do Cume da Pedra do Fritz - 500m de paredes verticais e vertiginosas em Nanuque MG






"A verdadeira arte de escalar é a sobrevivência, e o ponto onde se torna mais difícil é quando, já se dominando o que até então considerávamos o epítome do sucesso, tentamos ainda avançar para um nível superior."
Reinhold Messner


ECO-FRITZ 2008

Um ano se passou e novamente nossa equipe (Projeto PAREDES DE MINAS) foi convidada para palestrar no evento anual em prol do meio ambiente em Nanuque, o ECO-FRITZ.

Contatei os companheiros da escalada de 2007, Ricardo e César, ambos envolvidos com trabalho e outros compromissos não puderam ir. Então liguei para o Emerson Azeredo “Caverna” e o Marquinhos Rufino. Os dois toparam na hora fazer parte da expedição para a conquista do cume da Pedra do Fritz. Ainda convidamos o Heron que fora meu aluno de escalada e que prontamente se colocou como apoio da equipe.

A Pedra do Fritz é o mais alto monólito da região e ponto culminante de Nanuque com 755m de altitude e 400m de desnível da base ao cume. Uma escalada já aspirada por grandes nomes do montanhismo nacional, entre eles o famoso Bito Meyer, que na companhia de Edmilson Padilha conquistaram outra fenda seguindo 150m na mesma parede e abandonaram a conquista por causa do mau tempo e até o Ralf em companhia de Nello Aun de BH e Gisely Ferraz de Curitiba chegaram bem próximo, a 50m do cume em 13 dias de expedição.

No entanto a expedição agora era outra, partimos munidos de equipamentos (ainda assim foi pouco) no dia 22 de setembro às 15 horas e às 23 horas estávamos em Nanuque. Muito bem recebidos na casa de Antônio Carlos Aranha, idealizador e organizador do evento, jantamos acertamos as datas das palestras para 5ª e 6ª feira. Dormimos e no dia seguinte bem cedo partimos para o Fritz.
Marquinhos e Emerson se revezariam guiando o trecho conquistado, 100m de fenda perfeita. Era o preço do ingresso na conquista daquela imponente parede de granito.

1º Dia
Preparamos todos os equipamentos de escalada e acampamento e fomos para a base. A meteorologia previa chuvas fortes para a semana e o tempo já começava a fechar. Meio dia em ponto e Marquinhos entrou guiando o início dos 100m conquistados pela nossa equipe no ano anterior. Escalou os primeiros 5 metros em livre e depois de algumas quedas e descansos, ele sacou os estribos e mandou misto entre escalada em livre (utilizando a mão nas agarras) e em artificial (com estribos para fazer a progressão), começou a chuviscar, mas a parede ligeiramente negativa, proporcionava proteção contra a chuva branda. Eu me posicionei em cima de um bloco na mata para fazer algumas imagens e fotos do trecho que eu conquistara no ano anterior. No primeiro dia foram escalados 45m da 1ª cordada da via Leões da Montanha em artificial, quando fomos surpreendidos pelo que menos esperávamos, uma chuva torrencial de granizo. Enquanto Emerson e Marquinhos se preparavam para deixar a parede eu e Heron, nos desmembrávamos para manter os equipamentos, roupas e sacos de dormir secos em meio a tempestade. Os raios eram assustadores, principalmente para os que escalavam com tantas ferragens junto ao corpo na parede de rocha nua.

Montamos a barraca que por sorte o Heron levou e ficamos um pouco mais tranqüilos apesar do acampamento quase alagado.

2º Dia
Passamos uma noite chuvosa e bem cedo, Marquinhos finalizou a 1ª cordada, em seguida, Emerson subiu e pegou a ponta da corda, guiou uns 20m e se perguntava: “Como passaram por aqui?!!” Era o “crux” (trecho mais difícil) daqueles 50m, um trecho de lacas soltas entaladas na fenda, que se mostrava muito mais negativa. Ele subiu o máximo que pode e bateu um grampo, continuou escalando em livre e alguns trechos em artificial, e desceu sem concluir a cordada, mas retirou o grampo fixo por ele na volta ao acampamento. O dia se foi e Emerson e Marquinhos voltaram ao acampamento base.


Mais uma noite chuvosa se passou. Eu fui para Nanuque onde aconteceriam as palestras. Ainda encontamos com amigos também escaladores de BH que estavam em Nanuque aferindo bombas de combustível em postos da cidade. Assistiram às palestras e quase ficaram para entrar na “trupe”, a saudade de casa falou mais alto e eles voltaram.

3º Dia
No dia seguinte, no Fritz, Emerson finalizou a 2ª cordada e Marquinhos entrou conquistando a variante para chegar á base do imenso diedro que nos levaria até o cume.
Chegaram ao platô a 180m de altura.

4º Dia
Bem cedo Marquinhos escalou mais 45m do imenso diedro e desceram devido ao mau tempo. No sábado, 5º dia, pela manhã conforme havíamos combinado, eu e Heron já seguíamos para a parede com mantimentos e água quando recebemos um telefonema da esposa do Aranha dizendo que os intrépidos escaladores estavam na cidade. Por causa das chuvas resolveram dar um tempo da escalada e espairecer na cidade. Nada de parede.

6º Dia
No domingo cedo voltamos ao Fritz, dessa vez com intuito de estabelecer o acampamento avançado a 180m de altura. Subimos pelas cordas fixas lotados de equipamentos, alimentos e água e equipamentos de filmagem para passar os próximos cinco dias.

Chegamos bem desgastados, cada um com uma cargueira lotada de equipamentos subindo pelas cordas fixas por 150m. Marquinhos entrou guiando e concluiu a cordada que tinha iniciado na investida anterior, eu separei todos os equipamentos que precisaria para guiar no dia seguinte, deixei tudo pronto e descemos para nosso acampamento avançado. Esprememos-nos em um corredor de 1/2m de largura por quatro de comprimento e nos preparamos para dormir. Exaustos, famintos e sem o fogareiro que deveria subir com o Emerson ficamos indignados achando que o ele havia desistido de subir naquele dia. De repente às 20h55min ouvimos um grito bem próximo e vimos uma luz, era o Emerson. Inacreditável!

Ele subiu tudo à noite com todo aquele peso para não nos deixar na mão. Felizmente, sem ele, a lona que Heron providenciou para nos proteger da chuva, nunca chegaria lá naquela longa e molhada noite.

7º Dia
Depois da noite mal dormida, peguei a ponta da corda às 9 horas, guiando pelo trecho graduado em A2+ com poucos equipamentos adequados como Camalot#5 e Camalot#4,5 e nenhum cliff que ficaram no acampamento avançado, pois acreditávamos utilizar apenas a fenda do diedro e preferi não esperar que alguém a buscasse, escalei passando fitas em saliências usando-as como estribos e alguns metros de escalada em livre, as 12:30h concluí a cordada de 50m exatos. Desci exausto para o acampamento avançado. Em seguida Emerson entrou guiando, no final do dia 75m foram escalados. Mais uma noite mal dormida, mas dessa vez nem tanto, Marquinhos havia montado uma estrutura com cordas para fixar nossa lona e as lamparinas improvisadas com garrafas pet ensinadas pelo Heron davam um ar de “lar doce lar” ao nosso acampamento na parede.

8º Dia
Emerson finalizou a cordada iniciada no dia anterior e passou a ponta da corda para o Marquinhos que mandou ver e concluiu mais uma cordada, mais 75m nesse dia. A partir daquele ponto só mais um grampo podre uns 8m acima da parada e pra cima só parede virgem.

Nossa água estava no fim e ainda faltava pelo menos mais um dia de escalada para atingirmos o cume. Resolvi descer e até a fazenda, buscar água e carregar as baterias da filmadora e pilhas das lanternas. Aproveitei a noite para tomar uma cervejinha, num buteco perto da fazenda. Muito cordial o dono do bar me ofereceu insistentemente um prato de feijoada com buchada de porco. Comi lambendo os beiços!!! Hummmm!!!

9º Dia
Os efeitos da buchada de porco foram catastróficos, acordei às 3 horas da madrugada com as “contrações do parto”, me sentia uma planta fixo no vaso. Às 6 horas da manhã já estava na base da parede subindo pelas cordas fixas com água, baterias recarregadas e disposição. Era o dia do cume. Deixei a mochila amarrada na ponta da corda para puxar quando chegasse na 1ª parada. A mochila agarrou num cipreste e depois de muito esforço e até vomitar o resto da buchada, tive que descer para soltar a mochila e subir tudo novamente com a mochila entre as pernas.

Às 9 horas todos os escaladores reunidos na parada e eu pronto para assumir a ponta, guiei até o grampo podre, a parede lisa impedia a escalada em livre, puxei a furadeira para começar a subir em furos de cliff, no 3º furo de cliff acabou a bateria. Perguntei se alguém se prontificava, Marquinhos não pensou duas vezes, de maneira sagaz subiu fazendo os buracos de cliff na mão e cavando entre a vegetação para achar as fendas escondidas. Algum tempo depois e mais 30m haviam sido conquistados, com fitas passadas em arbustos e parada fixa em uma árvore já na mata próximo ao cume. Emerson subiu primeiro recolhendo os equipamentos deixados nas fendas e achando que era só “correr para o abraço”. Chegando lá uma rampa vertical de rocha lisa saindo da mata em direção ao cume. Mais buracos de cliff e ascensão em estribos, uma fenda pequena e de repente ouvimos um grito do Emerson ecoando pelo vale: “Cumbre!!”.
Atingimos o cume às 17h22min do dia 1º de outubro de 2008. Depois de 08 exaustivos dias de escalada. Levamos para lá o tradicional livro de cume onde deixamos nossas palavras e agradecimentos à todos que tornaram possível essa conquista.

Agradecimentos especiais à toda família de Antônio Carlos Aranha que se elegeu vereador e que é responsável pela exposição de Nanuque no cenário de aventuras nacional através do Projeto Eco-Fritz, ao Sr. Amintas e Dona Marisa que nos deram apoio na fazenda, ao Sr. Zé da Matel e aos escaladores de BH Carlos Eduardo Diniz que emprestaram equipamentos fundamentais para essa escalada, Matheus Sanches, Tiago “Fox”, Gustavo Viana “Tigrão”, Luiz Cláudio Montenegro, e Beto Cipoeiro, Academia Alta Energia, EQUINOX e Loja de Aventura.

Assista essa conquista na íntegra no Programa Horizonte Aberto, porque conquistar a Pedra do Fritz foi CASCA GROSSA!

Nome da via: Micafrak de 3 pontas 7º VIII A2+ E3
Equipe: Emerson Azeredo “Lampião”,Gustavo Piancastelli “Puta” e Marcus Vinícius de Souza “Marquinho Rufino”; Apoio base : Heron

Texto:
Gustavo Piancastelli

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